Posso Multar o Condômino que se Recusa a Ser Síndico?
Em muitos condomínios, especialmente os de pequeno porte, uma alternativa adotada para reduzir custos é o rodízio entre os condôminos para o cargo de síndico. A proposta parece prática, mas traz um desafio jurídico: O que fazer quando alguém se recusa a assumir o cargo? Pode o condomínio aplicar uma multa?
Posso multar o condômino que se recusa a ser síndico?
Em muitos condomínios, especialmente os de pequeno porte, uma alternativa adotada para reduzir custos é o rodízio entre os condôminos para o cargo de síndico. A proposta parece prática, mas traz um desafio jurídico:
O que fazer quando alguém se recusa a assumir o cargo? Pode o condomínio aplicar uma multa?
O que diz a lei?
O Código Civil (Lei nº 10.406/2002) permite que a assembleia escolha um síndico (art. 1.347), mas não obriga ninguém a aceitar o cargo. A função de síndico envolve responsabilidades administrativas, civis e até penais, o que exige disposição e preparo.
Além disso, o artigo 1.337, que trata da aplicação de multas, refere-se a condutas antissociais e inadimplência — não contempla a recusa em exercer a sindicância.
E se o rodízio tiver sido aprovado em assembleia?
Mesmo que a assembleia tenha aprovado o rodízio entre os condôminos, isso não torna obrigatória a aceitação do cargo por qualquer pessoa. A imposição forçada do encargo pode ser considerada abusiva, por ferir a liberdade individual de cada condômino.
Atualmente, não há jurisprudência consolidada que autorize a aplicação de multas nesses casos, o que indica risco jurídico considerável ao adotar esse tipo de sanção.
E se estiver previsto na convenção?
Se a convenção do condomínio prever o rodízio e penalidades em caso de recusa, ainda assim é preciso cautela. A depender da interpretação judicial, a cláusula pode ser considerada nula ou abusiva, especialmente se não houver quórum adequado para alteração da convenção (2/3 dos condôminos, conforme art. 1.351 do Código Civil) ou se violar princípios de razoabilidade e proporcionalidade.
Muitos condomínios acreditam que, ao incluir na convenção condominial uma regra que estabelece rodízio de síndico ou até mesmo penalidades (como multa) para quem se recusar a assumir o cargo, estariam automaticamente respaldados legalmente. Mas não é tão simples assim.
A convenção tem força de lei?
Sim, a convenção condominial tem força de lei interna, conforme o artigo 1.333 do Código Civil. Isso significa que suas cláusulas são obrigatórias para todos os condôminos — desde que respeitem os limites da legalidade e da Constituição.
Ou seja: a convenção pode regular a forma de escolha do síndico (por rodízio, eleição direta, contratação de profissional etc.), mas não pode violar direitos fundamentais, como o da liberdade individual de não aceitar um cargo de responsabilidade.
Penalidades previstas podem ser anuladas?
Mesmo que uma cláusula prevendo multa em caso de recusa ao cargo de síndico esteja na convenção, ela pode ser anulada judicialmente. Os principais motivos são:
Falta de quórum adequado:
Se essa cláusula foi incluída ou alterada sem o quórum mínimo exigido — que é de 2/3 dos condôminos (art. 1.351 do Código Civil) — ela é nula de pleno direito.Violação de princípios jurídicos:
A imposição forçada de obrigações administrativas pode violar o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à autodeterminação.
Se a cláusula impõe uma multa excessiva ou desproporcional, pode ser considerada abusiva, conforme entendimento baseado no Código de Defesa do Consumidor, aplicado subsidiariamente em alguns casos condominiais.
Natureza do cargo de síndico:
O síndico exerce uma função de gestão, representação e responsabilidade civil, inclusive com possibilidade de responsabilização criminal em certos casos. Ninguém pode ser compelido judicialmente a assumir esse tipo de função contra a própria vontade, ainda que resida no condomínio.
Qual a melhor solução?
Diante da insegurança jurídica sobre a imposição de penalidades a quem recusa o cargo de síndico, o mais recomendável é adotar alternativas viáveis e seguras, como:
Oferecer incentivos reais, como isenção ou descontos na taxa condominial, para estimular os condôminos a se voluntariarem para a função de síndico;
Alterar a convenção do condomínio para formalizar uma rotina automática: em caso de recusa geral dos condôminos, o condomínio poderá contratar um síndico profissional, com os custos sendo rateados entre todos;
Caso a alteração da convenção ainda não seja possível, ou não tenha sido feita, a situação pode ser disciplinada de forma mais simples por meio de ajuste no regimento interno ou mesmo por deliberação e aprovação em Assembleia Geral Extraordinária (AGE), desde que respeitado o quórum legal;
Manter um diálogo transparente com todos os condôminos sobre as responsabilidades e os desafios da função de síndico, oferecendo apoio técnico e jurídico por meio de assessoria profissional especializada para aqueles que aceitarem assumir o cargo.
Conclusão
A tentativa de impor multas para obrigar condôminos a assumir o cargo de síndico não encontra respaldo legal direto e pode ser considerada abusiva e anulável judicialmente. Mesmo que prevista na convenção, a medida exige:
Que a cláusula tenha sido incluída por meio de alteração formal da convenção, com aprovação por quórum qualificado de 2/3 dos condôminos, conforme exige o art. 1.351 do Código Civil;
Respeito aos princípios constitucionais, como a liberdade individual, a proporcionalidade e a razoabilidade;
E atenção para que a gestão condominial não se transforme em um encargo obrigatório e coercitivo, o que vai de encontro à natureza da função de síndico.
Diante disso, o caminho mais seguro e eficaz passa pela participação consciente, ajustes bem fundamentados na convenção ou regimento interno, e pelo uso de soluções alternativas, como a contratação de síndico profissional ou bonificações para quem aceitar o cargo.
Com apoio profissional e uma abordagem equilibrada, a autogestão pode ser preservada — sem recorrer a imposições que abrem margem para disputas jurídicas e conflitos entre condôminos.
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